quarta-feira, junho 30, 2010

Descrescer para sobreviver

A Comissão Européia publicou em 17 de junho relatório mostrando o quanto a Europa caminha para a escassez de 14 matérias-primas essencias para seu desenvolvimento tecnológico. O documento cita várias medidas que devem ser tomadas para continuar a ter acesso a esses minerais. Em nenhum momento propõe ou sugere a possibilidade de reduzir os níveis de produção ou de mudanças econômicas profundas. Entende-se pelo texto que o crescimento não pode parar. Mas essas matérias-primais mais cedo ou mais tarde acabarão.



Antonio Tajani, vice-presidente da Comissão Européia e responsável pelo setor de Indústria e Empreendedorismo, afirmou que a lista dos minerais deverá inspirar iniciativas para fazer com que a indústria possa se refornecer das matérias-primas que necessita. “Precisamos de fair play dos mercados externos, de um válido quadro para assegurar uma extração sustentável na União Européia e de maior eficiência no uso dos recursos e na reciclagem.”

A Europa pede fair play, o que provavelmente significa que vai querer acesso facilitado aos recursos naturais que não possui. Riquezas concentradas principalmente em países rivais em termos comerciais, como China, Rússia, Brasil e Índia, ou em lugares instáveis como a República Democrática do Congo e Ruanda. A lista dos minerais “em extinção” no velho continente inclui antimônio, berilho, cobalto, espatofluor, gálio, germânio, grafite, índio, magnésio, niobio, platinoides (PGM = Platinum Group Metals), terras raras (grupo de 17 elementos químicos), tantálio e tungstênio. Segundo as previsões, até 2030 a demanda de vários desses minerais poderia triplicar em relação a 2006.

Para solucionar o problema, o relatório prescreve medidas como interventos políticos para deixar mais eficaz a reciclagem, pesquisa para substituir algumas matérias-primas e aumento da eficiência dos materiais. Sempre visando à continuidade ou ao crescimento dos índices de produção. As medidas apresentadas no máximo deslocarão o problema para o futuro, talvez bastante próximo, mas não resolvem a questão, que é muito mais profunda, abrangente e urgente.

PIB versus qualidade de vida

Vários estudos apontam que seria preciso de três a seis planetas para proporcionar o modo de vida ocidental a todos os habitantes da Terra. Para o filósofo e economista francês Serge Latouche, apesar de a eficiência ecológica ter aumentado de maneira notável, a perpetuação do crescimento provoca uma degradação global. “As reduções de impactos e de poluição por unidade produzida são sistematicamente aniquiladas pela multiplicação do número de unidades vendidas e consumidas, fenômeno que se denominou efeito rebote”, diz o economista em O Decrescimento como Condição de um Sociedade Convivial. “Ter fé cega na ciência e no futuro para resolver os problemas do presente é contrário não só ao princípio da precaução, mas também simplesmente ao bom senso. No entanto, é o que fazemos com o nuclear, acumulando resíduos potencialmente perigosos para os séculos futuros sem perspectiva de solução.”

O economista e matemático romeno Nicholas Goergescu-Roegen afirma que a única forma de preservar e alongar ao máximo a sobrevivênca da espécie humana é uma mudança de comportamento de toda a sociedade, a começar pelos países ricos. Segundo ele, qualquer produção de bens materiais diminui a disponibilidade de energia no futuro e, portanto, de possibilidade de se produzir outras coisas materiais. Georgescu observa que não somente a energia se degrada, mas também a matéria (fato até hoje pouco observado pela economia ortodoxa). Uma vez dispersos no ambiente, os materiais antes concentrados no subsolo podem ser reutilizados no processo econômico somente em quantidades muito menores e com custos muito mais elevados. Sua teoria, conhecida como bioeconomia (ou economia ecologica), baseia-se na biologia e na física, em particular no segundo princípio da termodinâmica, que explica a irreversibilidade de certos processos físicos com o consequente aumento da entropia.

Vários teóricos defendem que a única forma de salvação da humanidade é o “descrecimento” (conceito criado a partir das teses de Georgescu, que datam da década de 1960), idéia oposta ao pensamento econômico ortodoxo que indica o crescimento economico e produtivo como forma incontestável de melhorar a qualidade de vida da sociedade.

Entre os principais defensores do decrescimento está Latouche. Segundo ele, o primeiro passo para uma mudança de paradigma é a desvinculação entre produção de bem-estar e Produto Interno Bruto (PIB). Neste sentido, já há alguns anos iniciativas vem sendo colocadas em prática, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq com a colaboração do indiano Amartya Sen (ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998). Funciona como um contraponto ao PIB per capita: o IDH mede, além do aspecto econômico, os níveis de educação e saúde dos países analisados. Hoje, é a medida mais usada para medir o desenvolvimento humano, apesar de ainda receber muitas críticas. Se diz que o IDH distorce alguns dados, pois uma pequena variação, por exemplo, no índice de alfabetização de adultos de um país desenvolvido pode fazer com que ele perca muitas posições na lista. Poucos colocam em dúvida, no entanto, que o índice seja extremamente útil para monitorar os progressos nos países mais pobres.

Amartya Sen faz parte, desde 2008, de uma comissão convocada pelo presidente francês Nicholas Sarkozy para estudar possíveis alternativas ao PIB. O grupo – formado por mais de 20 pessoas, entres ele o prêmio Nobel Joseph Stiglitz, o economista francês Jean-Paul Fitoussi e o presidente do Instituto Nacional de Estatística da Itália, Enrico Giovannini – pretende levar em conta os problemas ligados às mudanças climáticas e à sustentabilidade dos países. Segundo a comissão, medir a qualidade de vida de uma população requer parâmetros de pelo menos sete categorias: saúde, educação, ambiente, ocupação, bem-estar material, relações pessoais e participação política. Na avaliação da equipe, qualquer país que quiser realmente melhorar a vida de sua população deve investir seriamente e principalmente na distribuição igualitária da riqueza material e dos bens sociais, além de promover a sustentabilidade econômica e ambiental.

Publicado originalmente em Herodotos Report

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