sábado, maio 08, 2010

A “opção” nuclear

Valendo-se da preocupação com o aquecimento global e com a segurança energética, mais uma vez a “opção nuclear” volta a ser assunto. E agora tem o apoio de James Lovelock, o pai da Teoria Gaia, que entende o universo como um organismo vivo e que já foi ferrenho adversário dessa forma de produção de energia. Em seu novo livro, Gaia: Alerta Final (editora Intrínseca, 2010) ele defende que não há tempo para esperar outro formato eficaz para reduzir as emissões de poluentes.

Brasil e Itália anunciaram ano passado a ampliação de seus parques nucleares. Em nome da “segurança energética”, apostam em um tipo de tecnologia controversa, que ainda comporta inúmeras incertezas. O governo brasileiro pretende aumentar a capacidade nuclear com a instalação de Angra 3 até 2012 e com a construção de quatro novas usinas até 2030, conforme propõe o Plano Nacional de Energia 2030, apresentado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

O nuclear pode ser a solução para o aquecimento global: esse foi o mote para reativar a indústria do setor, que vinha há anos perdendo credibilidade. Conforme o Relatório para o Desenvolvimento Humano 2007-2008, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a energia nuclear é responsável hoje por 17% da eletricidade produzida no mundo. Na Europa, a quota nuclear de potência elétrica instalada caiu de 24% em 1995 para 16% em 2008, segundo afirmou à WWF o professor de Química da Universidade de Bolonha Vincenzo Balzani. Sobre a possibilidade de se reduzir a emissão de CO2 ao optar pelo nuclear, Balzani pondera: “não é racional resolver um problema com uma solução que abre outros e mais graves problemas”.

Para Lovelock, os riscos são pequenos. De acordo com ele, no pior desastre provocado pela radiação nuclear, Chernobyl, morreram 70 pessoas. Ou o pai da Teoria Gaia está querendo nos enganar ou está se enganando. O número de mortos no momento do acidente ou pouco tempo depois foi 70 (há fontes que falam em 58), mas quantos são os que ainda estão morrendo por causa da irradiação? Quais são as reais consequências de um desastre como esse para a saúde humana? Um estudo do Fórum de Chernobyl – formado por agências da ONU e entre elas a Agência Internacional de Energia Nuclear (Aiea) – estima em 4 mil as vítimas de cânceres provocados pela radiação. Além disso, mais de 135 mil pessoas tiveram que ser evacuadas, deixando tudo para trás, e até hoje não puderam voltar para suas casas.

Obviamente a usina de Chernobyl não pode ser tomada como referência quando se fala de segurança. Porém, apesar dos renovados esforços da indústria nuclear em apresentar sua tecnologia como segura, pequenos acidentes em instalações nucleares em diversos países continuam a demonstrar que esta tecnologia oferece constantes riscos que podem trazer conseqüências ao meio ambiente e à humanidade, por centenas e milhares de anos. Sem falar que o armazenamento do lixo radioativo gerado pelas usinas ainda é um problema sem solução.

O jornalista suíço Serge Enderlin, em seu livro reportagem Black Out (editado na Itália pela Il Saggiatore), publicou alguns dados sobre a maior instalação nuclear em construção na Europa: a terceira central de Olkiluoto, na Finlândia. A usina está sendo realizada pela francesa Areva, líder mundial do nuclear civil, e custaria oficialmente 3 bilhões de euros – valor que já foi dobrado e que está novamente sendo revisto devido a inúmeros contratempos na obra. Segundo a TVO (a companhia energética finladesa), seus 1600 megawatts servirão apenas para suprir o aumento da demanda dos próximos dez anos.

Na prática, a primeira central nuclear a ser construída no mundo depois do acidente em Chernobyl enfrenta problemas. A conclusão da obra, prevista para 2009, deverá ocorrer em 2013. Muitos mal funcionamentos vem sendo denunciados por diversas ongs, entre elas o Greenpeace, que acusa a Areva de não respeitar mínimas condições de segurança. Enderlin reproduz em seu livro conversas com operários que trabalham na construção, em sua maioria poloneses e lituanos, “que custam menos”, e que estão muito contentes de ganharem seus mil euros mensais, mas que admitem não ter tido nenhum tipo de treinamento especial para trabalhar em uma obra do gênero.

De acordo com a TVO, o cimento que reveste o reator já teve que ser trocado três vezes devido à sua baixa qualidade. As relações entre a companhia energética finlandesa e a Areva agora estão na justiça, já que alguém deverá pagar pelas falhas que custam milhões de euros. Enderlin passou meses tentando contatar a Areva, em vão.

O urânio não é infinito e, segundo diferentes fontes, com o nível de extração atual, o mineral pode durar de 50 a 100 anos. Se levarmos em conta que hoje, no mundo, existem mais de 200 centrais em construção, programadas e propostas, quanto do minério ainda restará? Algumas centrais terão vida mais longa do que a matéria-prima que as fazem funcionar ou que as empresas que as controlam. E o que será feito depois dessas usinas? Quem ficará responsável pelas perigosas e já não rentáveis geringonças?

As companhias proprietárias de quase metade dos reatores nucleares nos EUA não estão reservando dinheiro suficiente para desmantelá-los, segundo investigação da Associated Press. O governo americano autorizou 19 usinas nucleares a paralisar seus reatores por até 60 anos, mas isso também cria riscos, como possíveis vazamentos ou roubos de bastões de combustível nuclear.

Alguns analistas temem que as empresas talvez nem existam daqui a seis décadas. “Tememos que elas simplesmente ‘tirem o corpo fora’ do problema”, disse Jim Riccio, analista do Greenpeace para política nuclear. E se elas não existirem mais, quem vai responder pelo desmantelamento dos reatores? Mais uma vez os governos?

“De todas as fontes de energia existentes, a nuclear é a única que coloca em jogo a sorte das futuras gerações por muitos e muitos anos”, diz Enderlin, lembrando que hoje, 57 anos depois que a central experimental de Arco, no estado americano de Idaho, entrou em funcionamento, ainda não se tem uma solução para a estocagem das escórias.

Texto originalmente publicado em Herodotos Report.

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